sábado, 27 de março de 2010



Dizias: só o mar das outras terras é que é belo.
[...]
Quando passeávamos perto do rio dizias que tinhas sido feliz para além dos montes.
Dantes, quando o amanhecer se espalhava por toda a casa, chegou um barco.
Passou à nossa porta, levando-te.
Depois, a minha sede nunca mais encontrou a sua água.
[...]

Tenho sempre a suspeita que me abandonaste nesse dia... eu sei, raramente podemos
ser o que queremos ser.




Al Berto in luminoso afogado.
Picture by Hans Bellmer, La Poupée, 1934.

segunda-feira, 15 de março de 2010



porque só o acto de morrer muitas vezes compensa


Al Berto in a seguir o deserto.
Picture by Nan Goldin, Valérie in the Mirror, Paris, 1999.


Sir Leicester Deadlock: Is it still raining my love?
Lady Deadlock: Yes my love.
And I'm bored to death with it.
Bored to death with this place.
Bored to death with my life.
Bored to death with myself.

in Bleak House, episode 1, 2005.
Image by David Hockney, Perablossom Hwy., 11-18th April 1986.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010



I just don't know what I'm supposed to be. You know?
I tried being a writer, but... I hate what I write.
And I tried taking pictures, but they were so mediocre.
I guess every girl goes through a photography phase.
You know, horses... taking dumb pictures of your feet.

in Lost in Translation, Sofia Coppola, 2003.
illustration by Alex Varanese, secret identity.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009


O amor é viver na imaginação de alguém.

Michelangelo Antonioni, 1996.
picture from Persona, Ingmar Bergman, 1966.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009


Claire: What have you been up to?
Russell: Not much.
Making bad art.
Saying stupid things.
Continuing implementation of my master plan to be completely forgotten when I'm gone and totally forgettable while I'm here.


in Six Feet Under, season 4, episode 1: "Falling into Place".
Picture by Richard Avedon, Brigite Bardot (penteado de Alexandre - Paris Studio), Janeiro 1959.

sábado, 5 de dezembro de 2009


Brenda: You know what I think?
Nate: About what?
Brenda: I don't know... life!
Nate: What?
Brenda: Think it's all about timming.
I think timming is everything.

in Six Feet Under, season 3 episode 7: "Timming & Space".
Picture by Ana Tomás.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009



teço a ausência de um corpo que me é absolutamente necessário.

Al Berto in auto-retrato com revólver.
Picture by Ana Tomás.

[...] uma sociedade degradada inventou a psiquiatria para se defender das investigações de certa lucidez superior cujas faculdades de adivinhação a incomodam.
[...] Não, van Gogh não era doido mas as suas pinturas eram fogos de guerra, bombas atómicas com um ângulo de visão que ao lado das restantes pinturas que seiviciavam na época foi capaz de perturbar gravemente o conformismo [...]
E isso de alienado autêntico o que é?
É um homem que preferiu ficar doido, no sentido em que o entendemos socialmente, a rejeitar uma certa ideia superior de honra humana.
Por isso a sociedade mandou estrangular nos manicómios dela todos aqueles de quem quis livrar-se ou defender-se, por recusarem ser cúmplices, com ela, de certas e altíssimas indecências.
Porque o alienado também é um homem que a sociedade não quis ouvir e pretendeu impedir de dizer insuportáveis verdades.


Antonin Artaud in Van Gogh o Suicidado da Sociedade.
Painting by Barnett Newman, The Way II, 1969.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009



1

penso na morte
mas sei que continuarei vivo no epicentro das flores
no abdómen ensanguentado doutros-corpos-meus
na concha húmida de tua boca em cima dos números mágicos
anunciando o ciclo das águas e o estado do tempo

a memória dos dias reside no olhar dum retrato
continuo só
e sinto o peso do sorriso que não me cabe no rosto
improviso um voo de alma sem rumo mas nada me consola

é imprevista a metereologia das paixões
pássaros minerais afastam-se suspensos
vislumbro um corpo de chuva cintilando na areia

até que tudo se perde na sombra da noite... além
junto à salgada pele de longínquos ventos

[...]

12

nada... incessantemente nada
nem mesmo a infelicidade

desenhar um quarto à medida da ausência
de nossos corpos apagar as luzes e a paisagem
fechar as janelas as portas as frestas
abrir as mãos os olhos e talvez o gás
esperar... esperar



Al Berto in doze moradas de silêncio.
Picture by Aurélia de Sousa, Auto-retrato, c. 1900.

sábado, 29 de agosto de 2009



[...] O sexo não pode medrar na monotonia. Sem invenções, humores, sentimentos, não há surpresa na cama. O sexo deve ter à mistura lágrimas, riso, palavras, promessas, cenas, ciúme, inveja, todos os condimentos do medo, viagens ao estrangeiro, novas caras, romances, histórias, sonhos, fantasias, música, dança, ópio, vinho.

Anaïs Nin, Dezemnbro 1941.
Picture from Jean-Luc Godard's Le Mépris.

sábado, 11 de abril de 2009


[...] Para quê estafar-se a trepar os cumes mais altos e a deixar que o fogo a consumisse? Bom, mas que importância tinha isso? O fogo que a consimisse, que a reduzisse a cinzas!



Virginia Wolf in Mrs. Dalloway.
Picture by Annie Leibovitz, 1978.

terça-feira, 31 de março de 2009


[...]
no amplo rumor
de celestes ressonâncias
sou tua irmã-irmão

corda tensa



Orfeu em queda livre







Ana Hatherly in Rilkeana
Picture by Ana Tomás

terça-feira, 27 de janeiro de 2009



O que se vê não se vê realmente
o que se sente
a si mesmo se ultrapassa



Ana Hatherly in Rilkeana, VII - Mit alle Augen sieth die Kreatur das Offene.
Art by Marcel Duchamp, Etant donnés: 1º la chute d'eau, 2º le gas d'éclairage, 1946-66.


[...]
Entrevendo o fulgor do êxtase
percorre o rio do sangue
conhece os horrores da guerra íntima
toda vermelha e crua
fértil em rupturas
incessante nos ataques
[...]


Ana Hatherly in Rilkeana, III - Eines ist, die Geliebte zu singen.
Painting by Francis Bacon, Two Figures, 1963.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008


[...] Alguma vez viste, nos jornais, aquelas fotografias de crianças, depois de terem bombardeado as suas cidades? Era assim. Tão grande como uma bomba. Mas por muito que fosse bombardeada, eu continuava de pé. Essa foi a minha desgraça: continuar de pé. Depois fiz 12, 13 anos, e comecei a ter mamas. Comecei a ter o período. De repente, passei a ser apenas um corpo que cercava a minha rata... Mas fica-te pela dança. Fecha todas as portas, de antes e depois, Coleman. Eu estou a topar-te, Coleman. Não estás a fechar as portas. Ainda conservas as fantasias do amor. Sabes uma coisa? Preciso, realmente, de um tipo mais velho do que tu. Que tenha perdido por completo todas essas tretas de merda do amor. És novo de mais para mim, Coleman. Olha para ti. Não passas de um rapazinho apaixonado pela professora de piano. Estás a prender-te a mim, Coleman, e és demasiado novo para uma mulher do meu género. Eu preciso de um homem muito mais velho. Creio que preciso de um homem com 100 anos, pelo menos. Não tens nenhum amigo de cadeira de rodas que possas apresentar-me? As cadeiras de rodas agradam-me: posso dançar e empurrar. Talvez tenhas um irmão mais velho. Repara em ti Coleman. A olhar-me com esses olhos de colegial. Por favor, telefona ao teu amigo mais velho, peço-te. Eu continuo a dançar, basta que lhe ligues. Quero falar com ele.
[...] Quando se prova, nunca mais se esquece. Ai, ai. Depois de duzentos e sessenta broches, quatrocentas quecas normais e cento e seis no cu, começa o namoro. Mas é mesmo assim que as coisas são. Quantas pessoas no mundo amaram antes de foder?
[...]
- Não pares - repete ela - Já ouvi essas palavras em qualquer lado. - Na verdade, raramente ouvira essa forma verbal sem ser antecedida por um «não». Não de um homem. Não muitas vezes de si mesma. - Sempre pensei que «não pares» era uma palavra só.
- E é. Continua a dançar.
- Então não a percas. Um homem e uma mulher num quarto. Nus. Temos tudo, não precisamos de mais nada. Não precisamos de amor. Não te rebaixes, não te tornes num idiota sentimental. Estás mortinho por isso, mas não o faças. Não percamos isto. Imagina, Coleman, imagina mantermos as coisas deste modo.
Ele nunca me viu dançar assim, nunca me ouviu falar assim. Há tanto tempo que eu não falava assim que julgava ter-me esquecido como era. Tanto tempo escondida. Ninguém me ouviu falar assim.[...]
- Imagina - diz -, vir todos os dias... e isto. A mulher que não quer ter tudo. A mulher que não quer ter nada.
Mas nunca quisera tanto ter alguma coisa.
[...]
- Não há ninguém como tu. Helena de Tróia.
- Helena de Lado Nenhum. Helena de Nada.


Philip Roth in A Mancha Humana.
Picture by Pavel Kiselev.

Porque o destino seguia-nos o rasto
Como um louco com uma navalha na mão.
Arsenii Tarkovskii in 8 Ícones.
Picture by Chris Anthony.

domingo, 28 de setembro de 2008


Porquê
se estar aqui
já é muito?

Por vezes
é mesmo de mais
sobretudo
quando não se ama já
e o coraçãp emudecido
pesa como pedra dentro
como morte dentro
do nosso corpo
agitado pela vida

Querer cumprir
querer produzir
[...]É isso o que tu queres de nós
terra
vida
alma?

É isso o prazo da existência
o seu interesse?

[...]
Efémera e contínua
caminho firme para o invisível


Ana Haterly in Rilkeana, "IX".
Picture by Michal Macku.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008


O erro foi ter ficado lá. Não foi para casa e agora detesta-o.
[...]
Ficou por causa da dança e de manhã está furiosa. Furiosa com ele. [...] Vir-se embora à noite: não há nada mais importante para uma rapariga como eu. Não tenho ideias claras a respeito de uma data de coisas, mas uma sei: ficar na manhã seguinte significa alguma coisa. [...] No curto espaço entre a casa e o carro podia ter sido morta, atingida por uma faísca, fulminada e morta, mas não fiquei: voltei para casa. Ficar na cama com ele a noite toda? A Lua enorme, a Terra inteira silenciosa, Lua e luar em todo o lado, e eu fiquei. Até um cego saberia encontrar o caminho para casa numa noite daquelas, mas eu não voltei para a minha. Não fui capaz. [...] Cedemos ambos à pior de todas as ideias. As prostitutas tinham-lhe dito, com a grande sabedoria das putas: «Os homens não te pagam para dormires com eles. Pagam-te para ires para casa.»


Philip Roth in A Mancha Humana.
Picture by Nan Goldin.

domingo, 17 de agosto de 2008


- Se Clinton lhe tivesse ido ao cu, talvez ela tivesse calado a boca. Bill Clinton não é o homem que dizem ser. Se a tivesse virado de barriga para baixo no Salão Oval e lhe tivesse ido ao cu, nada disto teria acontecido.
[...]
- Sabes, depois de chegar à Casa Branca o tipo deixou de dominar. Não podia. Também não dominou a Willey. Foi por isso que ela ficou fula com ele. Quando se tornou presidente perdeu todo o seu talento arkansiano típico para dominar mulheres. Enquanto foi procurador-geral e governador de um pequeno estado obscuro, dominar era perfeito para ele.
[...]
- O que acontece no Arkansas? Se um tipo cai quando ainda se encontra lá, não cai de muito alto.
- Exactamente. E calcula-se que tenha tara pelo cu. É uma tradição.
- Mas quando chega à Casa Branca, não pode dominar. E quando não pode dominar, Miss Willey vira-se contra ele, e Miss Monica vira-se contra ele. Teria garantido a lealdade dela se lhe fosse ao cu. O pacto devia ter sido esse. Isso tê-los-ia ligado. Mas não houve pacto.
- Bem, ela assustou-se. Sabes bem que esteve prestes a não dizer nada. Starr esmagou-a. Onze gajos na sala com ela naquele hotel, já imaginaste? A massacrá-la? Foi uma geraldina. Uma violação colectiva encenada por Starr naquele hotel.
- Isso é verdade. Mas ela já andava a falar com Linda Tripp.
- Ah, sim.
- Anadava a falar com toda a gente. Pertence àquela cultura idiota do blá-blá-blá. A esta geração que se orgulha da sua superficialidade. A sinceridade é tudo. Sincera e vazia, totalmente vazia. A sinceridade que dispara em todas as direcções. A sinceridade que é pior do que a falsidade e a inocência que é pior que a corrupção. Toda a rapacidade oculta sob o manto da sinceridade. E do jargão. Aquele vocanbulário maravilhoso de todos eles, e em que parecem acreditar, a respeito da «falta de mérito próprio», quando na realidade estão sempre convencidos que têm direito a tudo. Chamam carinho ao descaramento e mascaram a desumanidade de perda de «auto-estima». Hitler também tinha falta de auto-estima. Esse era o problema dele. É uma farsa, o que esses miúdos armaram. A hiperdramatização das emoções mais insignificantes. Relação. A minha relação. Clarificar a minha relação. Quando abrem a boca apetece-me amarinhar pelas paredes. Toda a linguagem deles é um somatório da estupidez dos últimos quarenta anos. [...]
- [...] Ele podia topá-la. Se não é capaz de topar Monica Lewinsky, como pode topar Sadam Hussein? Se o tipo não é capaz de topar e cortar as voltas a Monica Lewinsky, não devia ser presidente. Isso é fundamento genuíno para impugnação. Mas, insisto, ele topou. Ele topou tudo. Não acredito que tenha ficado muito tempo hipnotizado com a história da carochinha do seu disfarce. Claro que viu que ela era absulutamente corrupta e absolutamente inocente. A extrema inocência era a corrupção: era a sua corrupção, a sua loucura e a sua astúcia. [...] Mas o que não percebeu foi que tinha de lhe ir ao cu. Porquê? Para a calar. Estranho comportamento o do nosso presidente. Foi a primeira coisa que ela lhe mostrou. Pôs-lha à frente do nariz. Ofereceu-lha. E ele não fez nada. Não entendo este tipo. Se lhe tivesse ido ao cu, duvido que ela tivesse falado com Linda Tripp. Porque não quereria falar a esse respeito.
[...]
- É pelo cu que se gera a lealdade
- Não sei se isso a teria calado. Duvido que seja humanamente possível calá-la. Não estamos perante um caso de Garganta Funda, mas sim de Boca Escancarada.

Philip Roth in A Mancha Humana.
Picture by Robert Doisneau, Criaturas de sonho, 1952.

sábado, 16 de agosto de 2008


Feliz aquele que administra sabiamente
a tristeza e aprende a reparti-la pelos dias
Podem passar os meses e os anos nunca lhe faltará

[...]
Mais triste é termos de nascer e morrer
e haver àrvores ao fim da rua

É triste ir pela vida como quem
regressa e entrar humildemente por engano pela morte dentro

É triste no outono concluir
que era o verão a única estação
[...]

Mas o mais triste é recordar os gestos de amanhã
[...] e através da vida sem nenhuma infância
revendo tudo isto algum tempo depois
A tarde morre pelos dias fora

Ruy Belo in O Problema da Habitação, "VII A Mão no Arado".
Picture by Duane Michals, Joseph Cornell, 1970.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

[...] por instantes foi feliz no sono, mas ao acordar sentiu-se todo borrado de caca de pássaros.

Gabriel Garcia Márquez in Crónica de uma Morte Anunciada.

sexta-feira, 28 de março de 2008

Text & Picture by Jenny Holzer.
Pó cheira a raio de sol,
mel bravo à liberdade,
boca de moça à violeta,
e ouro não cheira a nada.
A reseda cheira à água,
amor à maçã rescende,
mas agora já sabemos -
só o sangue cheira a sangue...
Anna Akhmátova, 1943.
Picture by Chris Anthony.

sábado, 26 de janeiro de 2008


A falsidade é quase sempre um meio certo de triunfar; aquele que a possui adquire necessariamente uma espécie de prioridade sobre aquele com quem tem comércio ou correspondência; fazendo-se admirar com um exterior falso, convence e, a partir desse momento, passa a triunfar. Mesmo que eu me aperceba de que fui enganado, a ninguém devo culpar a não ser a mim e aquele que conseguiu intrujar-me procedeu tanto melhor quanto eu, por orgulho, me não irei lamentar; a sua superioridade em relação a mim será sempre grande; terá sempre razão quando eu nunca a tenho; avançará enquanto eu nada sou; há-de enriquecer enquanto eu me arruíno; sempre acima de mim, não tardará a cativar a opinião pública; nessa altura, por mais que eu o queira inculpar, ninguém sequer me ouvirá. Entreguemo-nos portanto, ousada e incessantemente, à mais insigne falsidade; olhemo-la como chave de todas as graças, de todos os favores, de todas as boas reputações, de todas as riquezas e consolemo-nos calmamente do desgosto de intrujar apenas pelo prazer de sermos malandros.

Marquis de Sade in "Terceiro Diálogo", A Filosofia na Alcova.
t-shirt by Jenny Holzer.