domingo, 21 de novembro de 2010

De quando em quando, na história da cultura, os artistas debatem-se com o problema da sua situação no plano da sociedade e da relação da actividade artística com outros ramos do saber. Quando os poderes estão plenamente cientes da importência das artes, a questão passa para segundo plano ou é quase esquecida, para depois voltar a aflorar. Temos então de decidir se é mais importante para a Humanidade a descoberta da penincilina por Fleming, ou o tecto da Sistina de Miguel Ângelo, quando afinal se poderá ironicamente dizer que uma «salva corpos», outro «salva almas» [...].

Margarida Calado in « Arte /Ciência - Criação / Investigação : Reflexões sobre a Teoria da Arte no Renascimento e Maneirismo», Investigação em Arte: Uma floresta muitos caminhos.

sábado, 20 de novembro de 2010



Jenny Holzer, Kriegszustand, Leipzig Monument Project, 1996.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010


Tendo-lhe alguém perguntado para que nascem os homens, respondeu por brincadeira: «Para saber quão mais conveniente é não nascer».

Giacomo Leopardi in Pequenas obras morais, «Ditos Memoráveis de Filippo Ottonieri».
picture by Louise Bourgeois, Cell VIII, 1998.
Respondendo a um que lhe perguntou qual era o pior momento da vida humana, disse: «Exceptuando o tempo do sofrimento, e também o do temor, eu por mim diria que os momentos piores são os do prazer: porque a esperança e a recordação desses momentos, que ocupam o resto da vida, são coisas melhores e muito mais doces que os próprios prazeres».
[...]observava que nenhuma situação é tão desgraçada que não possa piorar, [...] a natureza não determinou nenhum limite para os nossos males; [...]Portanto, enquanto a maior parte dos homens não deve realmente esperar nenhum aumento da quantidade de bens que possui, nunca a nenhum deles, enquanto esta vida durar, pode faltar motivo real para ter medo; e se a sorte depressa se reduz de tal maneira que não é capaz de nos benificiar posteriormente, não perde no entanto, em tempo algum, o poder de nos ferir com novos golpes, capaz de vencer e quebrar a própria firmeza do desespero.
[...] disse que perder uma pessoa amada, por causa de qualquer acidente súbito [...] não é tão doloroso quanto vê-la ser destruída pouco a pouco [...]. Coisa que provoca a maior infelicidade, porque nesse caso a pessoa amada não se desvanece diante de ti, deixando-te, em sua substituição, a imagem que dela guardas no espírito, não menos inspiradora de amor do que era no passado; pelo contrário, apresenta-se aos teus olhos completamente diferente daquela que antes amavas, de forma que todas as ilusões do amor te são arrancadas violentamente do espírito; e quando por fim ela se aparta para sempre da tua presença, aquela primeira imagem que dela guardavas no pensamento foi apagada pela mais recente. Assim, perdes completamente a pessoa amada, uma vez que ela não pode sobreviver nem sequer na tua imaginação: a qual, em vez de um pouco de consolação, não te dá senão motivos para tristeza.
[...]
Dizia por vezes a rir que as pessoas habituadas a transmitir constantemente aos outros os seus pensamentos e sentimentos falam em voz alta mesmo quando estão sozinhas, se uma mosca lhes pica, ou se entornam ou lhes cai da mão um jarro; e que, pelo contrário, as ques estão acostumadas a viver consigo próprias e a reprimir-se no seu íntimo, mesmo que se sintam atingidas por uma apoplexia, e embora encontrando-se na presença de outras pessoas, não abrem a boca.

Giacomo Leopardi in Pequenas Obras Morais, «Ditos Memoráveis de Filippo Ottonieri».

quinta-feira, 9 de setembro de 2010


Há qualquer coisa que passa pela cabeça das mulheres sempre que estão privadas, durante demasiado tempo, daquele bocadinho de felicidade entre as pernas.


Henry Miller in Sob os Telhados de Paris.
Picture by Richard Wentworth, Darktime (Arresting the solstice 2004-5).

sábado, 24 de julho de 2010



- Na semana passada apareceu-me uma mulher à cabeceira da cama [...] Atrevi-me a perguntar-lhe quem era e ela respondeu-me: «Sou a mulher que morreu há doze anos neste quarto.»
- A casa foi construída só há dois anos - contrapôs o coronel.
- Assim é - confirmou a mulher. - Isso quer dizer que até os mortos se enganam.


Gabriel Garcia Márquez in Ninguém escreve ao Coronel.
Picture by Tim N. Gidal, Rosto, 1930.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

To me there is no past or future in art. If a work of art cannot live always in the present it must not be considered art at all. The art of the Greeks, of the Egyptians, of the great painters who lived in other times, is not an art of the past: perhaps it is more alive today than it ever was.

Pablo Picasso interviewed by Marius de Zayas.

terça-feira, 6 de julho de 2010



and all you touch and all you see
is all your life will ever be



Pink Floyd in Breathe.
Art by Louise Bourgeois, Cell VII, 1998 (photo by Peter Bellamy).

segunda-feira, 14 de junho de 2010


Well, it's about things I don't understand. I don't understand how you could be there now and then fall down dead and I'd be left looking at your body. Where would you have gone?


Richard Wentworth in Losing Battles, 1996.
Picture by Roger Fenton, Valley of the Shadow of Death, 1855.

I suppose I'm interested in the fact that objects die, that they are dying all the time, like us.


Richard Wentworth.
Picture by Hans Bellmer, La Poupée, 1935.

quinta-feira, 20 de maio de 2010


corpo-colmeia onde poderia surgir o amor, mas são horas do mar se confundir com a vertigem do coração. de resto, já não se conseguem ler sinais da tua passagem, eclipsaram-se quando as mãos pousaram sobre a sombra do rosto ausente.
teu corpo paralisou no início da memória, não consigo lembrar-me de mim.
[...]
as mãos esgueiram-se para dentro da insónia. eis a noite da noite onde abro e folheio livros [...]. eis a noite onde esqueço a vida e cismo sobre aquilo que ainda não sonhei. e aceito como único presságio a melancolia aérea das açucenas. aceito como único consolo a desolação imensa dos teus braços. [...] aceito como único vício aquele cuja pele ainda não toquei. [...] aceito como única fala possível aquela que é susceptível de rasgar pulsos. aceito como único corpo aquele que não cresceu dos relógios do mundo. aceito, aceito como único sonho aquele espelho onde te reflectes e me encontro. aceito a humildade de viver sozinho, a vergonha dos desejos insatisfeitos, a noite que me devora, aceito, aceito estas paredes, estes objectos, este sol, esta varanda, este mar, estes braços, estas mãos, este sexo, estes dedos, [...] aceito, esta dor que me morde, esta escrita, este coração, estas doenças, estes cabelos, a escassez da fala, este silêncio cada dia maior e mais perturbador, aceito esta cadeira, este livro, este nome, estes olhos esmagados pela insónia, esta cama vazia, este frio, aceito, aceito, aceito esta janela, esta música de vísceras, esta faca, este sussurro, esta ausência, esta imagem desfocada, [...] este sismo, este grito, estas coxas sujas de esperma, esta comida, estes cigarros, estes cadernos rabiscados que não servem para grande coisa, aceito, aceito a inutilidade de viver, de morrer, de estar aqui, de me deslocar, de permanecer, de fugir, de esperar, aceito, aceito a inutilidade de me reconhecer e de amar, a inutilidade dos dias, aceito, aceito o marulhar lodoso da alma, aceito não ter projectos nem querer construir uma pátria, aceito, aceito o vazio imenso das algibeiras, a dor das mãos percorrendo um corpo, aceito o caos [...] aceito, aceito estes ossos, esta loucura que me assola lentamente, lentamente, aceito ficar louco, inconsciente, indefeso, aceito a tristeza que me ofereces, [...] aceito nunca mais me lembrar de mim e viver pobre, aceito nunca mais te tocar [...], aceito, aceito não possuir nada, não querer nada, aceito, aceito nunca mais aqui voltar, nunca mais.




Al Berto in O Medo, «20 de março».
Picture by Ana Tomás, M marks the spot.

terça-feira, 18 de maio de 2010


Mas o que é um poema
senão
um telescópio do desejo?



Ana Hatherly in as lágrimas do poeta.
Picture by Guido Argentini, Hiromi's hair on a golden mirror.


Não existimos mais que os nossos sonhos.


Teixeira de Pascoaes.
Picture by Nan Goldin, Vakat.

domingo, 16 de maio de 2010


I have longed to move away
From the hissing of the spent lie
And the old terrors' continual cry
Growing more terrible as the day
Goes over the hill into the deep sea;
I have longed to move away
From the repetition of salutes,
For there are ghosts in the air
And ghostly echoes on paper,
And the thunder of calls and notes.

I have longed to move away but am afraid;
Some life, yet unspent, might explode
Out of the old lie burning on the ground,
And, crackling into the air, leave me half-blind.



Dylan Thomas in I have longed to move away.
Painting by Barnett Newman, Achilles, 1952.

sábado, 27 de março de 2010



Dizias: só o mar das outras terras é que é belo.
[...]
Quando passeávamos perto do rio dizias que tinhas sido feliz para além dos montes.
Dantes, quando o amanhecer se espalhava por toda a casa, chegou um barco.
Passou à nossa porta, levando-te.
Depois, a minha sede nunca mais encontrou a sua água.
[...]

Tenho sempre a suspeita que me abandonaste nesse dia... eu sei, raramente podemos
ser o que queremos ser.




Al Berto in luminoso afogado.
Picture by Hans Bellmer, La Poupée, 1934.

segunda-feira, 15 de março de 2010



porque só o acto de morrer muitas vezes compensa


Al Berto in a seguir o deserto.
Picture by Nan Goldin, Valérie in the Mirror, Paris, 1999.


Sir Leicester Deadlock: Is it still raining my love?
Lady Deadlock: Yes my love.
And I'm bored to death with it.
Bored to death with this place.
Bored to death with my life.
Bored to death with myself.

in Bleak House, episode 1, 2005.
Image by David Hockney, Perablossom Hwy., 11-18th April 1986.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010



I just don't know what I'm supposed to be. You know?
I tried being a writer, but... I hate what I write.
And I tried taking pictures, but they were so mediocre.
I guess every girl goes through a photography phase.
You know, horses... taking dumb pictures of your feet.

in Lost in Translation, Sofia Coppola, 2003.
illustration by Alex Varanese, secret identity.