domingo, 17 de agosto de 2008


- Se Clinton lhe tivesse ido ao cu, talvez ela tivesse calado a boca. Bill Clinton não é o homem que dizem ser. Se a tivesse virado de barriga para baixo no Salão Oval e lhe tivesse ido ao cu, nada disto teria acontecido.
[...]
- Sabes, depois de chegar à Casa Branca o tipo deixou de dominar. Não podia. Também não dominou a Willey. Foi por isso que ela ficou fula com ele. Quando se tornou presidente perdeu todo o seu talento arkansiano típico para dominar mulheres. Enquanto foi procurador-geral e governador de um pequeno estado obscuro, dominar era perfeito para ele.
[...]
- O que acontece no Arkansas? Se um tipo cai quando ainda se encontra lá, não cai de muito alto.
- Exactamente. E calcula-se que tenha tara pelo cu. É uma tradição.
- Mas quando chega à Casa Branca, não pode dominar. E quando não pode dominar, Miss Willey vira-se contra ele, e Miss Monica vira-se contra ele. Teria garantido a lealdade dela se lhe fosse ao cu. O pacto devia ter sido esse. Isso tê-los-ia ligado. Mas não houve pacto.
- Bem, ela assustou-se. Sabes bem que esteve prestes a não dizer nada. Starr esmagou-a. Onze gajos na sala com ela naquele hotel, já imaginaste? A massacrá-la? Foi uma geraldina. Uma violação colectiva encenada por Starr naquele hotel.
- Isso é verdade. Mas ela já andava a falar com Linda Tripp.
- Ah, sim.
- Anadava a falar com toda a gente. Pertence àquela cultura idiota do blá-blá-blá. A esta geração que se orgulha da sua superficialidade. A sinceridade é tudo. Sincera e vazia, totalmente vazia. A sinceridade que dispara em todas as direcções. A sinceridade que é pior do que a falsidade e a inocência que é pior que a corrupção. Toda a rapacidade oculta sob o manto da sinceridade. E do jargão. Aquele vocanbulário maravilhoso de todos eles, e em que parecem acreditar, a respeito da «falta de mérito próprio», quando na realidade estão sempre convencidos que têm direito a tudo. Chamam carinho ao descaramento e mascaram a desumanidade de perda de «auto-estima». Hitler também tinha falta de auto-estima. Esse era o problema dele. É uma farsa, o que esses miúdos armaram. A hiperdramatização das emoções mais insignificantes. Relação. A minha relação. Clarificar a minha relação. Quando abrem a boca apetece-me amarinhar pelas paredes. Toda a linguagem deles é um somatório da estupidez dos últimos quarenta anos. [...]
- [...] Ele podia topá-la. Se não é capaz de topar Monica Lewinsky, como pode topar Sadam Hussein? Se o tipo não é capaz de topar e cortar as voltas a Monica Lewinsky, não devia ser presidente. Isso é fundamento genuíno para impugnação. Mas, insisto, ele topou. Ele topou tudo. Não acredito que tenha ficado muito tempo hipnotizado com a história da carochinha do seu disfarce. Claro que viu que ela era absulutamente corrupta e absolutamente inocente. A extrema inocência era a corrupção: era a sua corrupção, a sua loucura e a sua astúcia. [...] Mas o que não percebeu foi que tinha de lhe ir ao cu. Porquê? Para a calar. Estranho comportamento o do nosso presidente. Foi a primeira coisa que ela lhe mostrou. Pôs-lha à frente do nariz. Ofereceu-lha. E ele não fez nada. Não entendo este tipo. Se lhe tivesse ido ao cu, duvido que ela tivesse falado com Linda Tripp. Porque não quereria falar a esse respeito.
[...]
- É pelo cu que se gera a lealdade
- Não sei se isso a teria calado. Duvido que seja humanamente possível calá-la. Não estamos perante um caso de Garganta Funda, mas sim de Boca Escancarada.

Philip Roth in A Mancha Humana.
Picture by Robert Doisneau, Criaturas de sonho, 1952.

1 comentário:

Henrik disse...

Esse excerto de Philip Roth em A Mancha Humana, quando o li (o livro) apanhou-me de surpresa. Perguntei-me «porquê?». Não foi certamente por nenhum sentimento púdico, não! Foi por não ter sido Coleman Silk a dizê-lo. Por ser um grupo de colegiais na mais vigorosa tagarelice mundana que nos é comum.
E mais ainda, por ter, sem margem para dúvida, ficado com a impressão que por mais violento que pareça Roth descreve nestas linhas a psicologia de duas pessoas. Que sendo, no caso, a Lewinski e o Clinton, é análogo a toda uma sexualidade escondida em aparências frívolas.
Em suma: pela simplicidade das palavras me dizerem algo de tão simples.
Belo excerto.
P.S. Gosto também dos monólogos de Faunia, há algo de Sade (na realidade de Masoch) neles.
Um dos meus escritores favoritos.