quarta-feira, 29 de maio de 2013

Originalidade em Arte quer dizer pessoalismo, personalidade. É a obra denunciando o Homem e a sua sensibilidade.
O «falhado» sente como toda a gente, não é igual a si, é igual aos outros.
Há os que não tendo sensibilidade própria a vão buscar a outrem como coisa roubada, mas conhece-se logo que o fato não é deles; tem as mangas compridas, está muito largo e diz-se então: mas aquele parece-se com fulano. Eles em si não são nada. Valem só pelo que não é deles. [...]
Em Arte topa-se a miúde com casos destes. A literatura, a música, as plásticas estão cheias. E o pior é se pela vida fora se eles despem a roupa alheia - por uma questão de arrependimento, ou decência - há sempre um garoto a gritar: «fulano vai nu».
 
Portela Júnior in Reflexões Sobre Columbano.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

[...] todo o leitor que relê uma obra que ama sabe que as páginas amadas lhe dizem respeito.

Gaston Bachelard in A Poética do Espaço.
[...] Para percebermos a acção psicológica de um poema, teremos pois de seguir dois eixos de análise fenomenológica: um que leva às exuberâncias de espírito, outro que conduz às profundezas da alma.

Gaston Bachelard in A Poética do Espaço.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Peggy: I thought everything was going great but now I have this terrible feeling about Abe. I think he’s going to end it.
Joan: Why?
Peggy: He wants to have dinner, and he knows week nights are hard, and we saw each other last night, and he wouldn’t take no for an answer.
Joan: Well, it has been my experience that when a man insists on a meal he has something important to say.
It’s usually a proposal.
Peggy: really?
That’s you…
Joan: Men don’t take the time to end things. They ignore you until you insist on a declaration of hate.


in Mad Men, season 5, episode 7, “At the Codfish Ball”.
[…]
Roger: I can see you, you’re beautiful.
Jane: You always say that. It’s all you ever say.
Roger: Now I know why your friends are so smart.
Jane: Catherine is not my friend, she’s my doctor.
Roger: I knew that, but I didn’t know it.
Jane: Sometimes I think she knows me better than you do.
Roger: Do I want to know?
Jane: Probably not.
Roger: Because it’s over?
Jane: She’s just waiting for me to say it
Roger: And what does she think of me?
Jane: She thinks I’m waiting for you to say it.
Roger: But instead you wrote me this poem tonight, didn’t you?
Jane: I knew we were going somewhere and I didn’t want it to be here.
Roger: Do you feel as relieved as I do?
Jane: All I can think about is having an affair. I see them everywhere.
Roger: You never cheated on me?
Jane: There was a kiss, I stopped it. And then I was mad at you. You didn’t appreciate it, even though you didn’t know about it.
Roger: A younger man?
Jane: No.
Roger, that’s always been real. And I won’t even ask about you. I just know for a fact that you did not fell in love.
Roger: So what was wrong again?
Jane: You don’t like me.
Roger: I did.
I really did.

Jane: Is it morning?
Roger: Yes.
I’m sorry I always say it but you are so beautiful.
Jane: Last night was beautiful.
Roger: It was, wasn’t it?
Jane: Where are you going?
Roger: Out the door and into the elevator I suppose.
Jane: What about me?
Roger: You can take your time, obviously. I figured I just checked into a hotel for a while. I don’t want to displace you.
Jane: What are you talking about?
Roger: I imagined all the screaming and fitting and lawyers… it’s just so beautiful. How we were able to be there together in the truth like you wanted.
Jane: Are you leaving me?
Roger: No, we’re leaving each other just like you said.
Jane: I didn’t say that.
Roger: You did. You said so many amazing things, you were speaking German.
Jane: I don’t know German.
Roger: You were quoting your father.
Jane: Must have been Yiddish. I was on drugs; I obviously didn’t mean any of it.
Roger: So your psychiatrist didn’t tell you you knew this was over but you were waiting for me to say it?
Jane: I did say that. 
Roger: It’s good that you did because we both knew it.
Jane: No. I don’t know.

It’s going to be very expensive.
Roger: I know.


in Mad Men, season 5, episode 6, “Far Away places”.

domingo, 15 de abril de 2012

[...] e há bocado o comboio passou por onde nós passámos, e depois seguiu.

Pedro Mexia in Lei Seca, "Arte ingénua".

sexta-feira, 23 de março de 2012

Mysterious men... they make promises they have no intention of keeping. They tell lies to get what they want. They may be more dangerous than they seem. Yes, our mothers told us we cannot trust the men we don't know. And those we do know? Well, we can't always trust them either.

in Desperate Housewives, season 6, episode 21, "A Little Night Music".

domingo, 26 de fevereiro de 2012


Picture & text by Duane Michaels, The Unfortunate Man.
 
 
 
A photograph is a secret about a secret. The more it tells you the less you know.
 
text by Diane Arbus.
Picture by Barbara Nitke, Athena Starr in Piggies, 1983.

terça-feira, 30 de agosto de 2011



A beleza é sempre um véu através do qual deve pressentir-se o caos.


Eugenio Trías in o belo e o sinistro.

Picture by Barbara Nitke, Dusty at Bizarre Viedeo, 1991.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

I don't carry my camera so much these days: I don't have the same relationship with it. I've never considered photography one of the higher art forms. Everyone takes photos; now even phones can. The whole issue of digital is so depressing to me; my process is gone. There were all kinds of unknown things that could come out in a photograph, things you didn't know were there until you saw it; now it's all so flat. But then I never really saw myself as a photographer.

Nan Goldin in Photographer Nan Godin's best shots, Interview by Sarah Phillips, 24 Julho 2011.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011


[...] o cinema pode «salvar a existência das coisas». [...] O acto de filmar é um acto heróico (não sempre, nem sequer frequentemente, mas por vezes). [...] A câmara é uma arma contra a miséria das coisas, nomeadamente contra o seu desaparecimento. Porquê filmar? Não saberá de outra pergunta menos idiota?

Wim Wenders in «Porquoi Filmez-Vous? 700 Cinéastes du Monde entier répondent», Libération, Abril 1987.
Picture by Helmut Newton.
For the purposes of deification, an early and appropriate death is essential.

Bob Carlos Clarcke in Shooting Sex: The Definitive Guide to Undressing Beautiful Strangers.

domingo, 21 de novembro de 2010

De quando em quando, na história da cultura, os artistas debatem-se com o problema da sua situação no plano da sociedade e da relação da actividade artística com outros ramos do saber. Quando os poderes estão plenamente cientes da importência das artes, a questão passa para segundo plano ou é quase esquecida, para depois voltar a aflorar. Temos então de decidir se é mais importante para a Humanidade a descoberta da penincilina por Fleming, ou o tecto da Sistina de Miguel Ângelo, quando afinal se poderá ironicamente dizer que uma «salva corpos», outro «salva almas» [...].

Margarida Calado in « Arte /Ciência - Criação / Investigação : Reflexões sobre a Teoria da Arte no Renascimento e Maneirismo», Investigação em Arte: Uma floresta muitos caminhos.

sábado, 20 de novembro de 2010



Jenny Holzer, Kriegszustand, Leipzig Monument Project, 1996.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010


Tendo-lhe alguém perguntado para que nascem os homens, respondeu por brincadeira: «Para saber quão mais conveniente é não nascer».

Giacomo Leopardi in Pequenas obras morais, «Ditos Memoráveis de Filippo Ottonieri».
picture by Louise Bourgeois, Cell VIII, 1998.
Respondendo a um que lhe perguntou qual era o pior momento da vida humana, disse: «Exceptuando o tempo do sofrimento, e também o do temor, eu por mim diria que os momentos piores são os do prazer: porque a esperança e a recordação desses momentos, que ocupam o resto da vida, são coisas melhores e muito mais doces que os próprios prazeres».
[...]observava que nenhuma situação é tão desgraçada que não possa piorar, [...] a natureza não determinou nenhum limite para os nossos males; [...]Portanto, enquanto a maior parte dos homens não deve realmente esperar nenhum aumento da quantidade de bens que possui, nunca a nenhum deles, enquanto esta vida durar, pode faltar motivo real para ter medo; e se a sorte depressa se reduz de tal maneira que não é capaz de nos benificiar posteriormente, não perde no entanto, em tempo algum, o poder de nos ferir com novos golpes, capaz de vencer e quebrar a própria firmeza do desespero.
[...] disse que perder uma pessoa amada, por causa de qualquer acidente súbito [...] não é tão doloroso quanto vê-la ser destruída pouco a pouco [...]. Coisa que provoca a maior infelicidade, porque nesse caso a pessoa amada não se desvanece diante de ti, deixando-te, em sua substituição, a imagem que dela guardas no espírito, não menos inspiradora de amor do que era no passado; pelo contrário, apresenta-se aos teus olhos completamente diferente daquela que antes amavas, de forma que todas as ilusões do amor te são arrancadas violentamente do espírito; e quando por fim ela se aparta para sempre da tua presença, aquela primeira imagem que dela guardavas no pensamento foi apagada pela mais recente. Assim, perdes completamente a pessoa amada, uma vez que ela não pode sobreviver nem sequer na tua imaginação: a qual, em vez de um pouco de consolação, não te dá senão motivos para tristeza.
[...]
Dizia por vezes a rir que as pessoas habituadas a transmitir constantemente aos outros os seus pensamentos e sentimentos falam em voz alta mesmo quando estão sozinhas, se uma mosca lhes pica, ou se entornam ou lhes cai da mão um jarro; e que, pelo contrário, as ques estão acostumadas a viver consigo próprias e a reprimir-se no seu íntimo, mesmo que se sintam atingidas por uma apoplexia, e embora encontrando-se na presença de outras pessoas, não abrem a boca.

Giacomo Leopardi in Pequenas Obras Morais, «Ditos Memoráveis de Filippo Ottonieri».

quinta-feira, 9 de setembro de 2010


Há qualquer coisa que passa pela cabeça das mulheres sempre que estão privadas, durante demasiado tempo, daquele bocadinho de felicidade entre as pernas.


Henry Miller in Sob os Telhados de Paris.
Picture by Richard Wentworth, Darktime (Arresting the solstice 2004-5).

sábado, 24 de julho de 2010



- Na semana passada apareceu-me uma mulher à cabeceira da cama [...] Atrevi-me a perguntar-lhe quem era e ela respondeu-me: «Sou a mulher que morreu há doze anos neste quarto.»
- A casa foi construída só há dois anos - contrapôs o coronel.
- Assim é - confirmou a mulher. - Isso quer dizer que até os mortos se enganam.


Gabriel Garcia Márquez in Ninguém escreve ao Coronel.
Picture by Tim N. Gidal, Rosto, 1930.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

To me there is no past or future in art. If a work of art cannot live always in the present it must not be considered art at all. The art of the Greeks, of the Egyptians, of the great painters who lived in other times, is not an art of the past: perhaps it is more alive today than it ever was.

Pablo Picasso interviewed by Marius de Zayas.

terça-feira, 6 de julho de 2010



and all you touch and all you see
is all your life will ever be



Pink Floyd in Breathe.
Art by Louise Bourgeois, Cell VII, 1998 (photo by Peter Bellamy).

segunda-feira, 14 de junho de 2010


Well, it's about things I don't understand. I don't understand how you could be there now and then fall down dead and I'd be left looking at your body. Where would you have gone?


Richard Wentworth in Losing Battles, 1996.
Picture by Roger Fenton, Valley of the Shadow of Death, 1855.

I suppose I'm interested in the fact that objects die, that they are dying all the time, like us.


Richard Wentworth.
Picture by Hans Bellmer, La Poupée, 1935.

quinta-feira, 20 de maio de 2010


corpo-colmeia onde poderia surgir o amor, mas são horas do mar se confundir com a vertigem do coração. de resto, já não se conseguem ler sinais da tua passagem, eclipsaram-se quando as mãos pousaram sobre a sombra do rosto ausente.
teu corpo paralisou no início da memória, não consigo lembrar-me de mim.
[...]
as mãos esgueiram-se para dentro da insónia. eis a noite da noite onde abro e folheio livros [...]. eis a noite onde esqueço a vida e cismo sobre aquilo que ainda não sonhei. e aceito como único presságio a melancolia aérea das açucenas. aceito como único consolo a desolação imensa dos teus braços. [...] aceito como único vício aquele cuja pele ainda não toquei. [...] aceito como única fala possível aquela que é susceptível de rasgar pulsos. aceito como único corpo aquele que não cresceu dos relógios do mundo. aceito, aceito como único sonho aquele espelho onde te reflectes e me encontro. aceito a humildade de viver sozinho, a vergonha dos desejos insatisfeitos, a noite que me devora, aceito, aceito estas paredes, estes objectos, este sol, esta varanda, este mar, estes braços, estas mãos, este sexo, estes dedos, [...] aceito, esta dor que me morde, esta escrita, este coração, estas doenças, estes cabelos, a escassez da fala, este silêncio cada dia maior e mais perturbador, aceito esta cadeira, este livro, este nome, estes olhos esmagados pela insónia, esta cama vazia, este frio, aceito, aceito, aceito esta janela, esta música de vísceras, esta faca, este sussurro, esta ausência, esta imagem desfocada, [...] este sismo, este grito, estas coxas sujas de esperma, esta comida, estes cigarros, estes cadernos rabiscados que não servem para grande coisa, aceito, aceito a inutilidade de viver, de morrer, de estar aqui, de me deslocar, de permanecer, de fugir, de esperar, aceito, aceito a inutilidade de me reconhecer e de amar, a inutilidade dos dias, aceito, aceito o marulhar lodoso da alma, aceito não ter projectos nem querer construir uma pátria, aceito, aceito o vazio imenso das algibeiras, a dor das mãos percorrendo um corpo, aceito o caos [...] aceito, aceito estes ossos, esta loucura que me assola lentamente, lentamente, aceito ficar louco, inconsciente, indefeso, aceito a tristeza que me ofereces, [...] aceito nunca mais me lembrar de mim e viver pobre, aceito nunca mais te tocar [...], aceito, aceito não possuir nada, não querer nada, aceito, aceito nunca mais aqui voltar, nunca mais.




Al Berto in O Medo, «20 de março».
Picture by Ana Tomás, M marks the spot.

terça-feira, 18 de maio de 2010


Mas o que é um poema
senão
um telescópio do desejo?



Ana Hatherly in as lágrimas do poeta.
Picture by Guido Argentini, Hiromi's hair on a golden mirror.


Não existimos mais que os nossos sonhos.


Teixeira de Pascoaes.
Picture by Nan Goldin, Vakat.

domingo, 16 de maio de 2010


I have longed to move away
From the hissing of the spent lie
And the old terrors' continual cry
Growing more terrible as the day
Goes over the hill into the deep sea;
I have longed to move away
From the repetition of salutes,
For there are ghosts in the air
And ghostly echoes on paper,
And the thunder of calls and notes.

I have longed to move away but am afraid;
Some life, yet unspent, might explode
Out of the old lie burning on the ground,
And, crackling into the air, leave me half-blind.



Dylan Thomas in I have longed to move away.
Painting by Barnett Newman, Achilles, 1952.

sábado, 27 de março de 2010



Dizias: só o mar das outras terras é que é belo.
[...]
Quando passeávamos perto do rio dizias que tinhas sido feliz para além dos montes.
Dantes, quando o amanhecer se espalhava por toda a casa, chegou um barco.
Passou à nossa porta, levando-te.
Depois, a minha sede nunca mais encontrou a sua água.
[...]

Tenho sempre a suspeita que me abandonaste nesse dia... eu sei, raramente podemos
ser o que queremos ser.




Al Berto in luminoso afogado.
Picture by Hans Bellmer, La Poupée, 1934.

segunda-feira, 15 de março de 2010



porque só o acto de morrer muitas vezes compensa


Al Berto in a seguir o deserto.
Picture by Nan Goldin, Valérie in the Mirror, Paris, 1999.


Sir Leicester Deadlock: Is it still raining my love?
Lady Deadlock: Yes my love.
And I'm bored to death with it.
Bored to death with this place.
Bored to death with my life.
Bored to death with myself.

in Bleak House, episode 1, 2005.
Image by David Hockney, Perablossom Hwy., 11-18th April 1986.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010



I just don't know what I'm supposed to be. You know?
I tried being a writer, but... I hate what I write.
And I tried taking pictures, but they were so mediocre.
I guess every girl goes through a photography phase.
You know, horses... taking dumb pictures of your feet.

in Lost in Translation, Sofia Coppola, 2003.
illustration by Alex Varanese, secret identity.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009


O amor é viver na imaginação de alguém.

Michelangelo Antonioni, 1996.
picture from Persona, Ingmar Bergman, 1966.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009


Claire: What have you been up to?
Russell: Not much.
Making bad art.
Saying stupid things.
Continuing implementation of my master plan to be completely forgotten when I'm gone and totally forgettable while I'm here.


in Six Feet Under, season 4, episode 1: "Falling into Place".
Picture by Richard Avedon, Brigite Bardot (penteado de Alexandre - Paris Studio), Janeiro 1959.

sábado, 5 de dezembro de 2009


Brenda: You know what I think?
Nate: About what?
Brenda: I don't know... life!
Nate: What?
Brenda: Think it's all about timming.
I think timming is everything.

in Six Feet Under, season 3 episode 7: "Timming & Space".
Picture by Ana Tomás.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009



teço a ausência de um corpo que me é absolutamente necessário.

Al Berto in auto-retrato com revólver.
Picture by Ana Tomás.

[...] uma sociedade degradada inventou a psiquiatria para se defender das investigações de certa lucidez superior cujas faculdades de adivinhação a incomodam.
[...] Não, van Gogh não era doido mas as suas pinturas eram fogos de guerra, bombas atómicas com um ângulo de visão que ao lado das restantes pinturas que seiviciavam na época foi capaz de perturbar gravemente o conformismo [...]
E isso de alienado autêntico o que é?
É um homem que preferiu ficar doido, no sentido em que o entendemos socialmente, a rejeitar uma certa ideia superior de honra humana.
Por isso a sociedade mandou estrangular nos manicómios dela todos aqueles de quem quis livrar-se ou defender-se, por recusarem ser cúmplices, com ela, de certas e altíssimas indecências.
Porque o alienado também é um homem que a sociedade não quis ouvir e pretendeu impedir de dizer insuportáveis verdades.


Antonin Artaud in Van Gogh o Suicidado da Sociedade.
Painting by Barnett Newman, The Way II, 1969.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009



1

penso na morte
mas sei que continuarei vivo no epicentro das flores
no abdómen ensanguentado doutros-corpos-meus
na concha húmida de tua boca em cima dos números mágicos
anunciando o ciclo das águas e o estado do tempo

a memória dos dias reside no olhar dum retrato
continuo só
e sinto o peso do sorriso que não me cabe no rosto
improviso um voo de alma sem rumo mas nada me consola

é imprevista a metereologia das paixões
pássaros minerais afastam-se suspensos
vislumbro um corpo de chuva cintilando na areia

até que tudo se perde na sombra da noite... além
junto à salgada pele de longínquos ventos

[...]

12

nada... incessantemente nada
nem mesmo a infelicidade

desenhar um quarto à medida da ausência
de nossos corpos apagar as luzes e a paisagem
fechar as janelas as portas as frestas
abrir as mãos os olhos e talvez o gás
esperar... esperar



Al Berto in doze moradas de silêncio.
Picture by Aurélia de Sousa, Auto-retrato, c. 1900.

sábado, 29 de agosto de 2009



[...] O sexo não pode medrar na monotonia. Sem invenções, humores, sentimentos, não há surpresa na cama. O sexo deve ter à mistura lágrimas, riso, palavras, promessas, cenas, ciúme, inveja, todos os condimentos do medo, viagens ao estrangeiro, novas caras, romances, histórias, sonhos, fantasias, música, dança, ópio, vinho.

Anaïs Nin, Dezemnbro 1941.
Picture from Jean-Luc Godard's Le Mépris.

sábado, 11 de abril de 2009


[...] Para quê estafar-se a trepar os cumes mais altos e a deixar que o fogo a consumisse? Bom, mas que importância tinha isso? O fogo que a consimisse, que a reduzisse a cinzas!



Virginia Wolf in Mrs. Dalloway.
Picture by Annie Leibovitz, 1978.

terça-feira, 31 de março de 2009


[...]
no amplo rumor
de celestes ressonâncias
sou tua irmã-irmão

corda tensa



Orfeu em queda livre







Ana Hatherly in Rilkeana
Picture by Ana Tomás

terça-feira, 27 de janeiro de 2009



O que se vê não se vê realmente
o que se sente
a si mesmo se ultrapassa



Ana Hatherly in Rilkeana, VII - Mit alle Augen sieth die Kreatur das Offene.
Art by Marcel Duchamp, Etant donnés: 1º la chute d'eau, 2º le gas d'éclairage, 1946-66.


[...]
Entrevendo o fulgor do êxtase
percorre o rio do sangue
conhece os horrores da guerra íntima
toda vermelha e crua
fértil em rupturas
incessante nos ataques
[...]


Ana Hatherly in Rilkeana, III - Eines ist, die Geliebte zu singen.
Painting by Francis Bacon, Two Figures, 1963.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008


[...] Alguma vez viste, nos jornais, aquelas fotografias de crianças, depois de terem bombardeado as suas cidades? Era assim. Tão grande como uma bomba. Mas por muito que fosse bombardeada, eu continuava de pé. Essa foi a minha desgraça: continuar de pé. Depois fiz 12, 13 anos, e comecei a ter mamas. Comecei a ter o período. De repente, passei a ser apenas um corpo que cercava a minha rata... Mas fica-te pela dança. Fecha todas as portas, de antes e depois, Coleman. Eu estou a topar-te, Coleman. Não estás a fechar as portas. Ainda conservas as fantasias do amor. Sabes uma coisa? Preciso, realmente, de um tipo mais velho do que tu. Que tenha perdido por completo todas essas tretas de merda do amor. És novo de mais para mim, Coleman. Olha para ti. Não passas de um rapazinho apaixonado pela professora de piano. Estás a prender-te a mim, Coleman, e és demasiado novo para uma mulher do meu género. Eu preciso de um homem muito mais velho. Creio que preciso de um homem com 100 anos, pelo menos. Não tens nenhum amigo de cadeira de rodas que possas apresentar-me? As cadeiras de rodas agradam-me: posso dançar e empurrar. Talvez tenhas um irmão mais velho. Repara em ti Coleman. A olhar-me com esses olhos de colegial. Por favor, telefona ao teu amigo mais velho, peço-te. Eu continuo a dançar, basta que lhe ligues. Quero falar com ele.
[...] Quando se prova, nunca mais se esquece. Ai, ai. Depois de duzentos e sessenta broches, quatrocentas quecas normais e cento e seis no cu, começa o namoro. Mas é mesmo assim que as coisas são. Quantas pessoas no mundo amaram antes de foder?
[...]
- Não pares - repete ela - Já ouvi essas palavras em qualquer lado. - Na verdade, raramente ouvira essa forma verbal sem ser antecedida por um «não». Não de um homem. Não muitas vezes de si mesma. - Sempre pensei que «não pares» era uma palavra só.
- E é. Continua a dançar.
- Então não a percas. Um homem e uma mulher num quarto. Nus. Temos tudo, não precisamos de mais nada. Não precisamos de amor. Não te rebaixes, não te tornes num idiota sentimental. Estás mortinho por isso, mas não o faças. Não percamos isto. Imagina, Coleman, imagina mantermos as coisas deste modo.
Ele nunca me viu dançar assim, nunca me ouviu falar assim. Há tanto tempo que eu não falava assim que julgava ter-me esquecido como era. Tanto tempo escondida. Ninguém me ouviu falar assim.[...]
- Imagina - diz -, vir todos os dias... e isto. A mulher que não quer ter tudo. A mulher que não quer ter nada.
Mas nunca quisera tanto ter alguma coisa.
[...]
- Não há ninguém como tu. Helena de Tróia.
- Helena de Lado Nenhum. Helena de Nada.


Philip Roth in A Mancha Humana.
Picture by Pavel Kiselev.

Porque o destino seguia-nos o rasto
Como um louco com uma navalha na mão.
Arsenii Tarkovskii in 8 Ícones.
Picture by Chris Anthony.

domingo, 28 de setembro de 2008


Porquê
se estar aqui
já é muito?

Por vezes
é mesmo de mais
sobretudo
quando não se ama já
e o coraçãp emudecido
pesa como pedra dentro
como morte dentro
do nosso corpo
agitado pela vida

Querer cumprir
querer produzir
[...]É isso o que tu queres de nós
terra
vida
alma?

É isso o prazo da existência
o seu interesse?

[...]
Efémera e contínua
caminho firme para o invisível


Ana Haterly in Rilkeana, "IX".
Picture by Michal Macku.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008


O erro foi ter ficado lá. Não foi para casa e agora detesta-o.
[...]
Ficou por causa da dança e de manhã está furiosa. Furiosa com ele. [...] Vir-se embora à noite: não há nada mais importante para uma rapariga como eu. Não tenho ideias claras a respeito de uma data de coisas, mas uma sei: ficar na manhã seguinte significa alguma coisa. [...] No curto espaço entre a casa e o carro podia ter sido morta, atingida por uma faísca, fulminada e morta, mas não fiquei: voltei para casa. Ficar na cama com ele a noite toda? A Lua enorme, a Terra inteira silenciosa, Lua e luar em todo o lado, e eu fiquei. Até um cego saberia encontrar o caminho para casa numa noite daquelas, mas eu não voltei para a minha. Não fui capaz. [...] Cedemos ambos à pior de todas as ideias. As prostitutas tinham-lhe dito, com a grande sabedoria das putas: «Os homens não te pagam para dormires com eles. Pagam-te para ires para casa.»


Philip Roth in A Mancha Humana.
Picture by Nan Goldin.

domingo, 17 de agosto de 2008


- Se Clinton lhe tivesse ido ao cu, talvez ela tivesse calado a boca. Bill Clinton não é o homem que dizem ser. Se a tivesse virado de barriga para baixo no Salão Oval e lhe tivesse ido ao cu, nada disto teria acontecido.
[...]
- Sabes, depois de chegar à Casa Branca o tipo deixou de dominar. Não podia. Também não dominou a Willey. Foi por isso que ela ficou fula com ele. Quando se tornou presidente perdeu todo o seu talento arkansiano típico para dominar mulheres. Enquanto foi procurador-geral e governador de um pequeno estado obscuro, dominar era perfeito para ele.
[...]
- O que acontece no Arkansas? Se um tipo cai quando ainda se encontra lá, não cai de muito alto.
- Exactamente. E calcula-se que tenha tara pelo cu. É uma tradição.
- Mas quando chega à Casa Branca, não pode dominar. E quando não pode dominar, Miss Willey vira-se contra ele, e Miss Monica vira-se contra ele. Teria garantido a lealdade dela se lhe fosse ao cu. O pacto devia ter sido esse. Isso tê-los-ia ligado. Mas não houve pacto.
- Bem, ela assustou-se. Sabes bem que esteve prestes a não dizer nada. Starr esmagou-a. Onze gajos na sala com ela naquele hotel, já imaginaste? A massacrá-la? Foi uma geraldina. Uma violação colectiva encenada por Starr naquele hotel.
- Isso é verdade. Mas ela já andava a falar com Linda Tripp.
- Ah, sim.
- Anadava a falar com toda a gente. Pertence àquela cultura idiota do blá-blá-blá. A esta geração que se orgulha da sua superficialidade. A sinceridade é tudo. Sincera e vazia, totalmente vazia. A sinceridade que dispara em todas as direcções. A sinceridade que é pior do que a falsidade e a inocência que é pior que a corrupção. Toda a rapacidade oculta sob o manto da sinceridade. E do jargão. Aquele vocanbulário maravilhoso de todos eles, e em que parecem acreditar, a respeito da «falta de mérito próprio», quando na realidade estão sempre convencidos que têm direito a tudo. Chamam carinho ao descaramento e mascaram a desumanidade de perda de «auto-estima». Hitler também tinha falta de auto-estima. Esse era o problema dele. É uma farsa, o que esses miúdos armaram. A hiperdramatização das emoções mais insignificantes. Relação. A minha relação. Clarificar a minha relação. Quando abrem a boca apetece-me amarinhar pelas paredes. Toda a linguagem deles é um somatório da estupidez dos últimos quarenta anos. [...]
- [...] Ele podia topá-la. Se não é capaz de topar Monica Lewinsky, como pode topar Sadam Hussein? Se o tipo não é capaz de topar e cortar as voltas a Monica Lewinsky, não devia ser presidente. Isso é fundamento genuíno para impugnação. Mas, insisto, ele topou. Ele topou tudo. Não acredito que tenha ficado muito tempo hipnotizado com a história da carochinha do seu disfarce. Claro que viu que ela era absulutamente corrupta e absolutamente inocente. A extrema inocência era a corrupção: era a sua corrupção, a sua loucura e a sua astúcia. [...] Mas o que não percebeu foi que tinha de lhe ir ao cu. Porquê? Para a calar. Estranho comportamento o do nosso presidente. Foi a primeira coisa que ela lhe mostrou. Pôs-lha à frente do nariz. Ofereceu-lha. E ele não fez nada. Não entendo este tipo. Se lhe tivesse ido ao cu, duvido que ela tivesse falado com Linda Tripp. Porque não quereria falar a esse respeito.
[...]
- É pelo cu que se gera a lealdade
- Não sei se isso a teria calado. Duvido que seja humanamente possível calá-la. Não estamos perante um caso de Garganta Funda, mas sim de Boca Escancarada.

Philip Roth in A Mancha Humana.
Picture by Robert Doisneau, Criaturas de sonho, 1952.

sábado, 16 de agosto de 2008


Feliz aquele que administra sabiamente
a tristeza e aprende a reparti-la pelos dias
Podem passar os meses e os anos nunca lhe faltará

[...]
Mais triste é termos de nascer e morrer
e haver àrvores ao fim da rua

É triste ir pela vida como quem
regressa e entrar humildemente por engano pela morte dentro

É triste no outono concluir
que era o verão a única estação
[...]

Mas o mais triste é recordar os gestos de amanhã
[...] e através da vida sem nenhuma infância
revendo tudo isto algum tempo depois
A tarde morre pelos dias fora

Ruy Belo in O Problema da Habitação, "VII A Mão no Arado".
Picture by Duane Michals, Joseph Cornell, 1970.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

[...] por instantes foi feliz no sono, mas ao acordar sentiu-se todo borrado de caca de pássaros.

Gabriel Garcia Márquez in Crónica de uma Morte Anunciada.

sexta-feira, 28 de março de 2008

Text & Picture by Jenny Holzer.
Pó cheira a raio de sol,
mel bravo à liberdade,
boca de moça à violeta,
e ouro não cheira a nada.
A reseda cheira à água,
amor à maçã rescende,
mas agora já sabemos -
só o sangue cheira a sangue...
Anna Akhmátova, 1943.
Picture by Chris Anthony.

sábado, 26 de janeiro de 2008


A falsidade é quase sempre um meio certo de triunfar; aquele que a possui adquire necessariamente uma espécie de prioridade sobre aquele com quem tem comércio ou correspondência; fazendo-se admirar com um exterior falso, convence e, a partir desse momento, passa a triunfar. Mesmo que eu me aperceba de que fui enganado, a ninguém devo culpar a não ser a mim e aquele que conseguiu intrujar-me procedeu tanto melhor quanto eu, por orgulho, me não irei lamentar; a sua superioridade em relação a mim será sempre grande; terá sempre razão quando eu nunca a tenho; avançará enquanto eu nada sou; há-de enriquecer enquanto eu me arruíno; sempre acima de mim, não tardará a cativar a opinião pública; nessa altura, por mais que eu o queira inculpar, ninguém sequer me ouvirá. Entreguemo-nos portanto, ousada e incessantemente, à mais insigne falsidade; olhemo-la como chave de todas as graças, de todos os favores, de todas as boas reputações, de todas as riquezas e consolemo-nos calmamente do desgosto de intrujar apenas pelo prazer de sermos malandros.

Marquis de Sade in "Terceiro Diálogo", A Filosofia na Alcova.
t-shirt by Jenny Holzer.